Há 53 anos, as calçadas das ruas Tupis e São Paulo, no Centro de Belo Horizonte, tornaram-se o local de trabalho do engraxate e reformador de calçados Edson Paula de Matos, 77. Aposentado há dez anos, por ter contribuído individualmente com a Previdência Social, o morador do bairro Concórdia mantém a rotina de lustrar os pares de sapatos dos clientes e de fazer consertos de segunda a sexta, entre 8h e 17h, para crescer a renda de um salário mínimo recebido via INSS. 

Além disso, aos finais de semana, trabalha em um estacionamento na região da Pampulha. Todo o esforço para ter um rendimento de dois vencimentos a mais por mês.  “Graças a Deus tenho saúde”, brincou Edson, lamentando a situação econômica vivenciada. “Toda a minha renda é em prol da minha família e da minha vida, mas as coisas estão difíceis. As despesas estão tão altas que às vezes nem acredito”, diz o idoso, que é mais uma dentre as milhões de vítimas da disparada da inflação no país, que corrói a renda do brasileiro.

📊 A experiência de Edson é reflexo de uma crise que se agrava diariamente no Brasil e que resulta na volta do público da terceira idade ao mercado de trabalho, só que de maneira informal. Dados do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) mostram que, desde 2019, o número de idosos atuando nestas condições aumentou 83%. Atualmente, cerca de um milhão de brasileiros, que já cruzaram a faixa dos 60 anos, recorreram à informalidade para sobreviver e pagar as contas, cada dia mais caras.

📊 E isso considerando apenas as estatísticas do Sebrae, que tratam de quem formalizou o cadastro de Microempreendedor Individual (MEI), sem levar em consideração quem atua sem nenhum amparo legal como motoristas de aplicativos, por exemplo. O contingente na informalidade é tão alto que já chega à metade do total de 2,1 milhões de integrantes da terceira idade que trabalham com carteira assinada no país, conforme o Ministério da Economia.

📑 O comportamento de volta ao campo profissional é influenciado por uma inflação rígida sobre itens essenciais. Os gastos com alimentação subiram quase 14% nos últimos 12 meses, enquanto os custos com habitação, como contas de água, luz, botijão de gás, aumentaram 9,57%. O encarecimento também impacta o acesso a serviços de saúde: medicamentos tiveram alta autorizada de 10,8% para este ano, enquanto os planos de saúde vão ter os preços reajustados em até 15,5%. 

O aumento na informalidade registrado pelo Sebrae pode estar relacionado à escalada do desemprego na terceira idade. Uma pesquisa feita pelo professor Mário Rodarte, da Faculdade de Economia da UFMG, identificou que as demissões no público acima de 50 anos aumentaram 166% no Brasil, entre 2012 e 2021, contra uma média nacional de 77%. Os dados foram coletados junto às pesquisas trimestrais feitas pelo IBGE.

Na avaliação do docente, o cenário de idosos na informalidade é trágico. Ele explica que quem recorre a esse meio, geralmente, não encontra outra saída. “É a combinação de desemprego e inflação. E se a gente entende que essa inflação grande se dá em um momento de desaquecimento e que os salários não crescem de acordo, a situação se torna ainda mais trágica”, analisa. 

O professor defende que nos segmentos trabalhistas em que a aposentadoria acaba sendo reduzida quantias baixas deveria haver uma política compensatória. Ele lembrou que o país nos últimos anos deixou de realizar uma política de valorização do salário mínimo calculada tendo como base o crescimento do PIB do ano anterior e a inflação. “O fato porém é que isso deixou de ser obedecido e o crescimento foi pífio com reajustes abaixo da perda inflacionária, já que a inflação tem aumentado”, detalha. 

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